Quem conta um conto, aumenta um ponto!
Quem conta um conto, aumenta um ponto
Desde o início da Educação Matemática, muitas aulas têm sido iniciadas com uma pergunta que, respondida de forma igual pela grande maioria dos alunos, traz aos “carrascos” (professores de matemática costumam receber esse tipo de “elogio”), certa tristeza.
– Você gosta de matemática? Pergunta o professor.
– Não! Responde aluno.
Essa resposta é a mais comum, pois a grande maioria da população tem aversão pela disciplina, afinal de contas, são muitos números, teoremas, fórmulas… Porém, muitos não sabem que se pode aprender matemática de forma divertida e surpreendente, como quando comemos uma deliciosa barra de chocolate.
Além de adoçar a vida, essa maravilhosa guloseima serve de ferramenta para que conceitos de frações sejam aprendidos. Pode-se contabilizar a quantidade de tabletes de uma barra e daí vemos a ideia de um inteiro. Quando tiramos alguns tabletes aprendemos a subtrair frações com denominadores iguais, pois queremos saber quanto sobrou em relação ao que tínhamos no início. Divisão, adição e outras operações envolvendo frações também são abordadas. Outro ponto a se destacar é que uma atividade como esta promove interação entre os alunos, eles compartilham, brincam, comem, se divertem, e, o mais importante, aprendem.
Mas, não é só na gastronomia que a matemática aparece. A literatura apresenta magníficas histórias contadas em forma de livros, contos, novelas, etc. Conhecimentos matemáticos diversos e as regras que tiram o sossego de muitos, serviram e servem de base para que magníficos relatos sejam contados.
Abaixo, um belo exemplo extraído do livro “O Homem que Calculava” escrito por Malba Tahan. Neste conto aprendemos sobre frações de uma forma única. Esta é uma história instigante e surpreendente.
A singular aventura dos 35 camelos que deviam ser repartidos por três árabes. Beremiz Samir (o Homem que Calculava) efetua uma divisão que parecia impossível, contentando plenamente os três querelantes. O lucro inesperado que obtivemos com a transação.
Poucas horas havia que viajávamos sem interrupção, quando nos ocorreu uma aventura digna de registro, na qual meu companheiro Beremiz, com grande talento, pôs em prática as suas habilidades de exímio algebrista.
Encontramos perto de um antigo caravançará1meio abandonado, três homens que discutiam acaloradamente ao pé de um lote de camelos.
Por entre pragas e impropérios gritavam possessos, furiosos:
– Não pode ser!
– Isto é um roubo!
– Não aceito!
O inteligente Beremiz procurou informar-se do que se tratava.
– Somos irmãos – esclareceu o mais velho – e recebemos como herança esses 35 camelos. Segundo a vontade expressa de meu pai, devo receber a metade, o meu irmão Hamed Namir a terça parte, e, ao Harim, o mais moço, deve tocar apenas a nona parte. Não sabemos, porém, como dividir dessa forma 35 camelos, e, a cada partilha proposta segue-se a recusa dos outros dois, pois a metade de 35 é 17 e meio. Como fazer a partilha se a terça e a nona partes de 35 também não são exatas?
– É muito simples – atalhou o Homem que Calculava. – Encarrego-me de fazer com justiça essa divisão, se permitirem que eu junte aos 35 camelos da herança este belo animal que em boa hora aqui nos trouxe!
Neste ponto, procurei intervir na questão:
– Não posso consentir em semelhante loucura! Como poderíamos concluir a viajem se ficássemos sem o camelo?
– Não te preocupes com o resultado, ó Bagdali! – replicou-me em voz baixa Beremiz – Sei muito bem o que estou fazendo. Cede-me o teu camelo e verás no fim a que conclusão quero chegar.
Tal foi o tom de segurança com que ele falou que não tive dúvida em entregar-lhe o meu belo jamal2,que imediatamente foi reunido aos 35 ali presentes, para serem repartidos pelos três herdeiros.
– Vou, meus amigos – disse ele, dirigindo-se aos três irmãos -, fazer a divisão justa e exata dos camelos que são agora, como veem, em número de 36.
E, voltando-se para o mais velho dos irmãos, assim falou:
– Deverias receber meu amigo, a metade de 35, isto é, 17 e meio. Receberás a metade de 36, portanto, 18. Nada tens a reclamar, pois é claro que saíste lucrando com esta divisão.
E, dirigindo-se ao segundo herdeiro, continuou:
– E tu, Hamed Namir, deverias receber um terço de 35, isto é 11 e pouco. Vais receber um terço de 36, isto é, 12. Não poderás protestar, pois tu também saíste com visível lucro na transação.
E disse por fim ao mais moço:
E tu jovem Harim Namir, segundo a vontade de teu pai, deverias receber a nona parte de 35, isto é 3 e tanto. Vais receber uma nona parte de 36, isto é, 4. O teu lucro foi igualmente notável. Só tens a agradecer-me pelo resultado!
E concluiu com a maior segurança e serenidade:
– Pela vantajosa divisão feita entre os irmãos Namir – partilha em que todos três saíram lucrando – couberam 18 camelos ao primeiro, 12 ao segundo e 4 ao terceiro, o que dá um resultado (18+12+4) de 34 camelos. Dos 36 camelos, sobram, portanto, dois. Um pertence como sabem ao bagdáli, meu amigo e companheiro, outro toca por direito a mim, por ter resolvido, a contento de todos, o complicado problema da herança!
– Sois inteligente, ó Estrangeiro! – exclamou o mais velho dos três irmãos.
– Aceitamos a vossa partilha na certeza de que foi feita com justiça e equidade!
E o astucioso Beremiz – o Homem que Calculava – tomou logo posse de um dos mais belos “jamales” do grupo e disse-me, entregando-me pela rédea o animal que me pertencia:
– Poderás agora, meu amigo, continuar a viajem no teu camelo manso e seguro! Tenho outro, especialmente para mim!
E continuamos nossa jornada para Bagdá.
1 Refúgio construído pelo governo ou por pessoas piedosas à beira do caminho, para servir de abrigo aos peregrinos. Espécie de rancho de grandes dimensões em que se acolhiam as caravanas.
2 Uma das muitas denominações que os árabes dão ao camelo.
Acabei de contar um conto e espero que a Matemática tenha aumentado um ponto em seu conceito.
Professor Eliseu dos Santos